Thomas Vilgis, um físico de alimentos do Instituto Max Planck para pesquisa de polímeros na Alemanha, é apaixonado por foie gras há 25 anos. O prato luxuoso é um patê ou musse feita dos fígados engordados de patos ou gansos.
“É algo realmente extraordinário”, diz Vilgis, recordando seus primeiros encontros com foie gras de alta qualidade quando morou e trabalhou em Estrasburgo, na França. Era macio e amanteigado e, assim que as gorduras começavam a derreter em sua boca, os sabores evoluíam e explodiam. “É como fogos de artifício. Você tem de repente uma sensação de todo o fígado”, disse ele.
Mas tal transcendência tem um preço.
Para engordar o fígado, os criadores alimentam à força as aves com mais grãos do que seus corpos precisam. O excesso de comida é armazenado como gordura no órgão do animal, que incha de tamanho.
Embora ocasionalmente coma foie gras produzido por criadores locais, Vilgis considera a alimentação forçada intolerável em escala industrial. “É terrível de ver”, diz ele.
Vilgis se perguntou se ele poderia de alguma forma “fazer um produto similar, mas sem essa tortura”.
Em um artigo publicado na terça-feira (25) no periódico Physics of Fluids, ele e seus colegas afirmam ter desenvolvido uma técnica que permite que patos e gansos comam e cresçam normalmente. No entanto, para ser claro, esta não é uma substituição de foie gras que poupa a vida das aves.
A abordagem de seu laboratório usa enzimas para quebrar a gordura de pato. Em seguida, a mistura de fígado de pato normal e gordura tratada é finalizada da mesma forma que o foie gras tradicional —feito um purê em um liquidificador e levemente aquecida. “Claro, não é uma concordância de 100%, mas estamos muito perto”, disse Vilgis —tão perto que ele diz não conseguir sentir a diferença no sabor.
“É muito melhor do que muitos outros produtos que tentam simular o foie gras”, disse ele. Isso inclui processos que usam gorduras vegetais (“Não tem o mesmo sabor, não tem o mesmo derretimento, nada”, disse ele) ou colágeno (“Isso o deixa como uma borracha”, observou).
Desenvolver essa abordagem foi repleto de fracassos. Quando a equipe tentou simplesmente combinar fígado de pato regular e gordura não tratada, não importando as proporções, o resultado não era foie gras.
“As propriedades mecânicas são diferentes”, disse ele. “A distribuição de gordura é diferente. Tudo estava dando errado.”
Os pesquisadores tentaram adicionar emulsificantes e, posteriormente, gelatina da pele e dos ossos das aves, mas a consistência não estava correta.
Então Vilgis pensou no que ocorre dentro do corpo da ave quando ela é alimentada à força. O pato ou ganso digere toda aquela comida extra usando, entre outras coisas, enzimas chamadas lipases que agem como pares de tesouras moleculares. Elas cortam as moléculas de gordura em pedaços menores, permitindo que elas “se rearranjem e cristalizem em diferentes formas”, disse ele. A gordura cristalizada forma aglomerados irregulares que são cercados por uma matriz de proteínas do fígado, o que confere o sabor e a textura indulgentes.
Essa foi a principal percepção. “Nós apenas fizemos no laboratório o que acontece no intestino delgado”, disse Vilgis. Quando a equipe tratou a gordura de pato com lipases, misturou-a com fígado normal e depois a estudou com dispersão de raios X e outras técnicas, o resultado foi notavelmente semelhante ao foie gras.
“As propriedades mecânicas concordam muito bem com as do foie gras”, disse ele. “Isso me deixou muito feliz porque o foie gras contém muita física fundamental.”
Mas o mais importante é que tinha o gosto certo. Vilgis ficou surpreso e encantado na primeira vez que provou o falso foie gras. A equipe havia ajustado o ponto de fusão e o agrupamento de gordura exatamente da maneira certa, tudo sem alimentação forçada. “Com esse truque, conseguimos que a gordura derreta na boca, o que é essencial”, disse ele. Vilgis obteve uma patente para o processo.
Roseanna Zia, engenheira mecânica e química da Universidade do Missouri que não esteve envolvida na pesquisa, aplaude o estudo por superar um desafio fundamental. “Uma das coisas difíceis na engenharia é traduzir o que as pessoas gostam e o que desejam”, disse ela.
Ela explicou que o foie gras é um tipo de sólido macio, como manteiga, chocolate, maionese ou sorvete — “praticamente tudo delicioso”, disse Zia. “Parece um sólido, mas se você o espalha com uma faca, ele se move como um líquido.” Ela admira pesquisadores como Vilgis que conseguem manipular o comportamento desse tipo de substância complexa.
Ele reconhece que sua formulação “não é vegetariana, não é vegana“. Mas se o foie gras for ser produzido e consumido, Vilgis espera que sua abordagem seja adotada por alguns criadores para “reduzir um pouco o sofrimento dos animais“.
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