Lar Turismo O medo diante do guichê do passaporte – 26/03/2025 – Zeca Camargo
Turismo

O medo diante do guichê do passaporte – 26/03/2025 – Zeca Camargo


Você tem o passaporte na mão. Tem o visto. Já passou pela incerteza de conseguir aquele carimbo que te autoriza a entrar num certo país ou, como é mais comum recentemente, aquele adesivo. Está tudo certo. E mesmo assim você está nervoso diante do guichê de imigração.

Essa é uma cena que me acompanha desde a minha primeira viagem solo. O nervosismo daquele garoto em 1981, com 17 anos, diante de um oficial em Heathrow, Londres, nunca me deixou.

Estou no meu 15º passaporte, contando com aquele primeiro que tirei no início dos anos 1970 e que não era só meu: ao lado da minha foto, tinha uma outra com meus dois irmão menores e a assinatura do meu pai. Imagina um documento desses hoje…

Nesses 15 passaportes, dezenas de carimbos, cada um deles registro de um momento de angústia. Nunca tive um visto recusado e minha biografia de quase 62 anos desconhece incidentes criminais.

Racionalmente, jamais houve um motivo para que eu melindrasse ao entrar em um país. E, mesmo assim, o suspense desse ritual mexe com meu batimento cardíaco até hoje.

Não que eu não tenha, na minha biografia de viajante, motivos para esse nervosismo. Como bom brasileiro, tenho feições que podem vir de qualquer canto do mundo, algo que para mim é um motivo de orgulho.

Porém, quis o destino que na combinação dos meu genes eu saísse com traços do Oriente Médio, o suficiente para constantemente ganhar olhares de desconfiança antes do sinal verde para entrar em terras estrangeiras.

Eu brinco que, da Turquia a Bangladesh, posso me encaixar em qualquer nacionalidade aos olhos superficiais das autoridades migratórias. Sou assim sempre suspeito, ainda mais nos tempos estranhos que vivemos hoje.

Tais pensamentos vieram à tona mais recentemente diante das notícias de um mundo que parece cada vez mais se fechar em seus quintais. Um mundo onde parece que basta você ser uma “persona” para ser “non grata”.

Para procurar algum conforto, tenho ouvido M.I.A., a cantora nascida no Sri Lanka que melhor expressa esse não pertencimento. Canções como “Borders” (Fronteiras), “Visa” (Visto), “Foreign Friend” (Amigo Estrangeiro) falam exatamente sobre isso.

Revendo clipe de “Borders”, com imagens de centenas de garotos em botes precários ou subindo muros de arame farpado, percebi o quão tolo é esse meu receio diante de qualquer nova escala internacional. Ou não.

Se hoje viajo com a facilidade que minha profissão de repórter conquistou, a situação global me dá motivos para ser, se não pessimista, ao menos cauteloso com essa liberdade. Afinal, fronteiras estão sempre sujeitas a decisões voláteis.

E isso pode significar uma frívola deportação a qualquer momento. E você, um viajante tão experiente, pode se ver tão indefeso quanto alguém sem passaporte.

Escrevo este texto da África do Sul, onde fui extremamente bem recebido. E espero continuar tendo experiências assim pelo mundo. Mas o que esse mundo vai fazer com suas fronteiras?

Enquanto esperamos resposta, cantemos junto com M.I.A.: “Everybody say Yalla!”.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



FONTE

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Turismo

Feriadão de abril no Rio pode ter até seis dias de folga – 28/03/2025 – Cotidiano

Os moradores da cidade do Rio de Janeiro e do estado poderão...

Turismo

Turismo na Argentina tem maior queda desde pandemia – 28/03/2025 – Mercado

O turismo de brasileiros na Argentina registrou a sua pior queda desde...

Turismo

Como o cacau pode revolucionar sua grelha – 28/03/2025 – Nação churrasqueira

Quem me conhece sabe que adoro uma aventura gastronômica —e, cá entre...

Turismo

Uma banana não é um ovo – 28/03/2025 – Cozinha Bruta

Chato dizer o óbvio, mas banana não é ovo. Se você leu...