Os primeiros sinais vieram da feira que sempre vou ali na avenida Richard Lenoir, Bastilha. Metade das barracas simplesmente não estava lá.
E mais! Os poucos feirantes desse final de julho insistiam em me desejar boas férias, pouco antes de anunciar que eles só voltariam para aquele ponto em setembro.
Aí teve o lance do cinema. Entre tantos motivos que tenho pra gostar de Paris, eu sempre brinco que é fácil amar uma cidade que tem sessão de cinema de manhã e tarde da noite.
Nessa minha última temporada lá, eu resolvi ver um filme no mk2, a cadeia de salas com uma escolha peculiar de títulos, que começava depois das 22h. A minha sessão estava vazia e eu atribui isso à qualidade sofrível do que estava vendo na tela, uma escolha infeliz.
Mas o maior susto foi quando saí do mk2 Les Halles, às 0h30, a rua estava deserta. O enorme espaço na frente do Centro Pompidou, inesperadamente às moscas. E no caminho para casa, ao longo do Marais, se encontrei cinco ou seis pessoas, foi muito.
Ah! Era uma noite de sábado.
Exatamente um ano atrás, Paris vibrava com os Jogos Olímpicos, e eu vivi essa experiência inesquecível. Com a lembrança desse frege fresca na memória, sentir Paris agora como uma cidade-fantasma me deixou perturbado.
O foco desta visita era gravar uma série de culinária: receitas simples que eu faria com ingredientes também simples da tal feira que lá frequento.
Mas mesmo assim eu esperava que a cidade me oferecesse um cardápio cultural razoável mas encontrei apenas uma tímida oferta. Fora que boa parte dos restaurantes que gosto de ir estava fechada—férias de verão!
Até um dos meus favoritos, o Chez Nenesse, cujo contrafilé com fritas eu involuntariamente turbinei com um post no meu Instagram, estava se despedindo. Comer lá agora, só depois de agosto.
Assim, entre a feira e a cozinha pouco me restava para usufruir da cidade no verão! E comecei a sentir um certo estranhamento.
Será que estava mesmo com saudades da Paris olímpica? Ou relutantemente me apaixonando por essa cidade deserta?
No meu último domingo lá, tive a resposta.
Depois de passar pela praia brasileira que a prefeitura montou para o verão na margem Rive Droite do Sena. Depois de circular pelo quase tranquilo Museu Carnavalet, com a exposição sobre a diretora Agnès Varda.
Depois de tomar um sorvete e uma taça de Chinon no Folderol—uma rara cave aberta (e cheia!) nesses dias quentes. Depois de um drinque com tequila no Bar Principal.
E sobretudo depois de encontrar aconchego num restaurante que é paixão antiga e teimosamente estava aberto, o Au Passage, eu tive a revelação.
Ao me despedir com um abraço carinhoso da dona do local, Audrey Jarry, que nunca me decepcionou com suas garrafas, eu percebi que gosto de Paris de qualquer jeito.
Cheia, vazia, lotada, abandonada, barulhenta, silenciosa, com amigos, amores, sozinho. De noite ou de dia. Fria e ensolarada ou quente e nublada. É sempre o lugar pra onde quero voltar.
E não demora muito não. Mas antes, Índia! Em breve, mando notícias do Rajastão.
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