A mídia do mundo todo se agita depois que, de uma hora para outra, sem alarde, sem que ninguém perceba, Banksy realiza uma intervenção. Pois em Park City, uma cidade americana de apenas 8.300 habitantes no estado de Utah, o artista britânico envolto em mistério fez três em uma tacada só.
Por vezes, a escolha do lugar onde ele fará um grafite se dá por razões políticas, como nos murais em Gaza e na Ucrânia. Já no destino turístico conhecido sobretudo por montanhas de neve que recebem milhares de esquiadores todos os anos, Banksy o fez porque lá é também a cidade do festival de cinema de Sundance.
Em 2010, o evento de filmes independentes mais famoso do mundo exibiu “Saída pela Loja de Presentes”, documentário sobre arte de rua dirigido pelo próprio artista e indicado ao Oscar na edição do ano seguinte.
Famoso por não revelar sua identidade e pelas obras que zombam do mercado da arte —do qual faz parte—, Banksy aproveitou a estreia e fez sete grafites em Park City. Dois deles, em locais em construção, foram destruídos, e outros dois foram rapidamente apagados pelo governo, já que violavam imóveis da prefeitura.
Os sobreviventes viraram um legado de Sundance e uma atração, já que muitos vão à região da Main Street, onde os grafites estão, para ver o que o britânico fez. Numa porta do Egyptian Theatre, que tradicionalmente exibe filmes do festival, pintou um ratinho usando óculos 3D. Para evitar vandalismos em cima de algo que em sua própria concepção era vandalismo, a obra é protegida por vidro a prova de balas, alarme e câmera.
Já outro grafite, de um garoto com asas que está rezando, não teve a mesma sorte. Mesmo com uma capa protetora, o estêncil foi atacado em 2014 com tinta e, depois, restaurado. Hoje, tem um vidro de anteparo, mesmo arranjo que preserva o desenho, na parede de uma cafeteria, de um cinegrafista que filma uma flor.
Onde encontrar os grafites de Banksy em Park City
- Rato com óculos 3D – dentro de uma passagem na altura do número 328 da Main Street
- Garoto com asas e auréola – Park Ave, 544, na altura do número 537 da Main Street
- Cinegrafista da flor rosa – 4th Street, na altura do número 402 da Main Street
As marcas que Banksy deixou em Park City são uma parte da herança cultural que Sundance deu à cidade, uma ilha progressista em um estado conservador cujas maiores referências são a presença abundante de mórmons e o Utah Jazz, time de basquete da NBA dos lendários Karl Malone, “o carteiro”, e John Stockton.
Sediado no município desde 1981, o festival de cinema liderado por Robert Redford, vencedor do Oscar de direção por “Gente como a Gente”, ostenta uma lista invejável de longas que deram as caras ao mundo ali, como “Antes do Amanhecer” (1995), de Richard Linklater, e “Corra!” (2017), do celebrado Jordan Peele. Qualquer cinéfilo, por mais meia boca que seja, sabe que Sundance é um símbolo do cinema independente.
Ironicamente, o evento pode deixar Park City em 2027, quando uma outra cidade, entre três finalistas, será escolhida pelo festival. Apesar do impacto econômico que Sundance traz, moradores reclamam do grande fluxo de gente em um município pequeno, ainda mais em janeiro e fevereiro, na alta temporada de esqui.
Concorrem para se tornar a nova sede as cidades de Boulder, no Colorado, Cincinnati, em Ohio, e… Salt Lake City e Park City. Salt Lake City, a 56 km de Park City, já recebe parte das exibições do festival e, caso vença a disputa, viraria o núcleo principal, invertendo papéis e fazendo com que a mudança não fosse tão radical.
O governador de Utah, Spencer Cox, já afirmou que, caso o festival saia de lá, a decisão seria “devastadora”, sobretudo para os negócios locais. Relatório do Sundance Institute aponta que os 21,4 mil visitantes de fora do estado que participaram do evento em 2023 gastaram US$ 97 mi (R$ 599 mi) em Utah durante o evento.
É bom o menininho com asas que Banksy grafitou em Park City rezar, porque as perdas podem ser grandes.
O jornalista viajou a convite de Visit Park City
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