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Posições políticas operam como totens – 08/12/2024 – Luiz Felipe Pondé


A tradição de filmes sobre a ditadura está aí. O discurso comum é de que se faz necessário lembrar para não deixar acontecer de novo. Segue a rota dos filmes sobre holocausto que visariam manter a memória viva dos horrores contra as vítimas do nazismo.

Mas, duvido da validade plena dessa estratégia. No caso do holocausto, essa memória não impediu que grande parte do mundo apoiasse, ainda que fingindo não o fazer, o pogrom do dia 7 de outubro de 2023 realizado pelos Hamas, esses “resistentes contra a colonização”. Chama atenção o fato que grande parte desses apoiadores fingidos do massacre de israelenses vieram das classes mais letradas –as letras e as artes nunca merecem muito nossa confiança em períodos autoritários. O ser humano é tal que nada o impede de achar justificativas para apoiar toda forma de violência contra quem ele detesta.

No caso da ditadura no Brasil, essa memória de nada adianta para evitar que formas de autoritarismo aqui venham a se instalar. E neste caso, levado a cabo por muitos daqueles que dizem se emocionar com as vítimas da ditadura.

O golpismo bolsonarista é simétrico a esse equívoco histórico mencionado acima. Um golpe anacrônico como se vivêssemos ainda na guerra fria dos anos 1960, levado a cabo por mentecaptos. Trata-se de um presente dos deuses para quem baba de vontade de instaurar uma forma de autoritarismo típico do século 21, a saber, uma ditadura líquida – tomando de empréstimo conceito de Bauman (1925-2017).

Ainda que o totalitarismo fascista já praticasse essa forma de autoritarismo disperso pelas relações sociais e institucionais, no século 21, essa forma de destruição da liberdade política pode ocorrer sob a manta de um estado de direito disfuncional como o brasileiro.

De repente, alguém acusa X de assédio sexual. Como se sabe, esse tipo de acusação tem efeito destrutivo imediato. O branding, uma das “formas de ponta” do aparelho repressor no século 21, rapidamente exclui qualquer pessoa suspeita de tal crime, sem possibilidade de defesa. Esse traço de conduta é típico da vocação a violência que a massa tem desde sempre. Profissionais de marketing exercem aqui a função de promotores informais, mas eficazes.

O ministério público poderá acolher qualquer denúncia contra Y o que fará Y gastar rios de dinheiro para se defender. Mesmo que ao cabo de anos “vença” a causa, sua vida financeira estará arruinada. A chance de o casamento acabar e da relação com os filhos se despedaçar por conta da ruina financeira e da humilhação que se segue a um processo como esse é intensamente provável.

O tratamento dos temas políticos pela mídia, também, se faz elemento pró destruição da liberdade política facilmente, bastando que editores do nível médio da hierarquia, apoiados silenciosamente pelos companheiros de consorcio dentro das redações, proíbam análises que não reforcem o status quo.

O mesmo mecanismo entrará em operação na vasta rede de educação, hostilizando aqueles que não abraçarem a causa comum.

Um dos efeitos mais nefastos da chamada polarização é que ela destrói por dentro a dinâmica das relações entre posições institucionais em contenda. Enquanto a polarização reinar, não haverá espaço nenhum para sairmos dessa rota em direção a dissolução da democracia tal como conhecemos.

Com a crescente judicialização de tudo no século 21, gerando um mercado promissor para contenciosos e, por tabela, para advogados, empoderando a magistratura e associados, numa sociedade a deriva como a nossa, a tendência é que um dos braços armados da destruição da liberdade será o próprio poder judiciário que, supostamente, defenderia o estado de direito.

Quanto mais ativo é o poder judiciário, menor é a liberdade dos costumes e das ações invisíveis que sempre conduziram o cotidiano. A infantilização crescente do que antes chamávamos de adultos aciona a magistratura o tempo todo para decidir quem tem o direito de falar uma palavra em detrimento de outra.

Posições políticas hoje operam como totens, no sentido mais pré-histórico possível. Excluídos do cérebro racional, mais complicado e cansativo na sua fisiologia do que a adesão totêmica, que tem a seu favor a ancestralidade atávica, os totens impedem qualquer “avanço” na superação de quadros como o descrito aqui, empurrando o sistema político para o leito de uma estrutura que mimetiza a democracia de um ponto de vista quantitativo e institucional, enquanto destrói esse mesmo sistema político de um ponto de vista qualitativo que acolheria o contraditório. O totem é pleno, à democracia falta tudo.


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