No Brasil, o jerez ainda é xodó de poucos. Com olfato e paladar complexos e diferentes da ideia convencional de vinho, um processo de produção peculiar e preços que começam em R$ 100, não consegue mover paixões em massa. Mas é comum quem prova se encantar e virar advogado da causa. Todo ano, em novembro, quando é realizada a Semana Internacional do Jerez, uma campanha tenta convencer o mundo de que esse vinho é dos mais especiais que existem sobre a Terra.
Para que o leitor entenda essa paixão: há um tipo de jerez —ou sherry, ou xerez— que quando se bebe é como ter um pouco do mar na taça; é seco, refrescante, leve, mineral, salino. Tem como não se encantar com isso? Me refiro ao fino ou manzanilla, que integra uma das três famílias dos vinhos de jerez e sobre os quais falo aqui.
O nome vem de Jerez de La Frontera, município na Andaluzia, sul da Espanha. É apenas lá e nas vizinhas El Puerto de Santa Maria, Sanlúcar de Barrameda e agora em San José del Valle que esses vinhos são produzidos, o que explica um pouco do preço. O jerez fino que estagia em soleras em Sanlúcar, onde o clima é mais ameno e praiano, é chamado manzanilla (camomila).
O terroir inclui os vinhedos mais quentes do mundo, com um solo branco de giz chamado de albariza, onde são cultivadas pedro ximénez, palomino fino e moscatel, além de outras seis uvas autóctones que acabaram de ser autorizadas pela regulamentação da região.
Mas é de uma levedura chamada flor que vem o estilo vibrante, que tira o paladar do tédio e acompanha até célebres inimigos do vinho (azeitonas, tapas com ovos, peixes fortes em conserva). Ela se forma na superfície de vinhos fortificados (com adição de aguardente vínica) a 15% e os protege da oxidação.
A flor age quando o vinho vai morar em barricas que já estão quase cheias de safras anteriores, numa mistura constante que dá o perfil de cada casa de Jerez. As barricas são organizadas no sistema de “solera”, que as empilha de forma que as preenchidas com os mais antigos fiquem embaixo (no solo ou “suelo”), de onde partem para o engarrafamento, e os mais novos no topo.
Há dois anos, mudanças na regulação incluíram duas novas categorias, fino viejo e manzanilla passada, para bebidas envelhecidas por pelo menos sete anos.
Essa complexidade da produção, na taça, se mostra como um marcador de tempo: ao beber o primeiro gole entendemos que o lazer começou. Munida de um copo de fino ou manzanilla, até me engano: acho que estou saboreando um coquetel delicioso e delicado, como só alguns vinhos são.
Vai uma taça? Se esta é a sua primeira incursão no mundo de Jerez, eu iria de Manzanilla, que é delicado e tem o gosto do mar. Duas ideias são o La Guita (R$ 225 na Confraria Queijo e Vinho) e o Viva La Pepa (R$ 189 na Belle Cave). O Barbadillo Fino (R$ 149 na World Wine) tem ótimo custo-benefício.
A Sherry Week começa nesta terça (5) e, em São Paulo, a programação inclui toda sorte de atividade, desde uma excursão por bares guiada pela sommelière superespecializada Gabriele Frizon, “a louca do jerez”, no dia da abertura, até uma feira no Oka Caburé (dia 9), onde será possível provar rótulos de diferentes estilos e produtores (ingressos por R$ 50 no Sympla). As festividades serão encerradas no dia 10, com o Cine Jerez, na Vinícola Urbana, em Pinheiros, com a exibição de “Jerez y el Misterio del Palo Cortado”. A programação completa está no site da Sherry Week.
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