Quando uma porta se fecha, outra se abre. Assim como a guerra de um ano entre Israel e o Hezbollah teve um fechamento quando os dois lados chegaram a um acordo de cessar-fogo na semana passada, uma nova frente no conflito do Oriente Médio se abriu na Síria. Os dois eventos estão conectados.
A guerra civil síria, adormecida há 13 anos, foi reacendida quando combatentes antigovernamentais contrários ao regime de Bashar al-Assad lançaram uma ofensiva surpresa na segunda maior cidade da Síria, Aleppo.
As forças do Exército sírio leais ao governo, que controlavam a maior parte do território do país desde 2017/2018 graças ao apoio iraniano e russo, foram derrotadas, enquanto o Irã e a Rússia foram pegos de surpresa e não ofereceram resistência ao avanço rebelde.
Liderados pelo Hayat Tahrir al-Sham (também conhecido como HTS), um grupo islâmico sunita com vínculos com a Al-Qaeda ocasionalmente apoiado pela Turquia, os insurgentes varreram o noroeste do país, forçando as tropas de Assad a recuar de Aleppo em questão de dias antes de avançar para o sul na província de Hama, a cerca de 200 quilômetros da capital Damasco.
A mais significativa mudança territorial em quase uma década, a captura de Aleppo é um golpe não apenas para o regime de Assad, mas também para as posições do Irã e da Rússia na Síria.
Mesmo que as forças do regime consigam deter o avanço dos rebeldes, elas precisarão de um apoio externo substancial para retomar o território perdido. A própria Aleppo —com toda a sua importância como a maior cidade e centro comercial da Síria antes da guerra, um importante centro militar e econômico iraniano e um símbolo da influência da Rússia no país— parece que permanecerá fora do controle de Assad em um futuro próximo.
Embora o HTS tenha planejado essa operação durante meses devido à dinâmica local, as mudanças na geopolítica global tornaram esse momento especialmente oportuno para a oposição da Síria atacar. A destruição do Hezbollah no Líbano por Israel e a degradação da rede de representantes do Irã na Síria e em outros lugares nos últimos meses enfraqueceram Assad e esgotaram os recursos de seu aliado Teerã.
O apoio do outro patrono de Assad, a Rússia, foi prejudicado não apenas pela guerra de três anos na Ucrânia, mas agora também pelo esforço frenético de tomar o máximo de terras possível antes que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, tente forçar um cessar-fogo após 20 de janeiro.
Em retrospecto, não deveria ter sido nenhuma surpresa o fato de os rebeldes terem escolhido esse momento para atacar, aproveitando a distração e a exaustão dos apoiadores de Assad e, por extensão, a vulnerabilidade única do regime.
Mas, por mais fraco que seja o homem forte da Síria, é improvável que a luta derrube seu regime. Assad é um aliado importante demais para que o Irã e a Rússia o deixem cair. Embora os recursos que pode dedicar à Síria sejam limitados pelas sanções ocidentais e pela perspectiva de ter de reconstruir o Hezbollah, Teerã quer evitar outra grande perda de um membro do Eixo da Resistência e aumentará o apoio para sustentar Assad.
Espere que o Irã intervenha com pessoal, como já fez ao enviar combatentes da milícia alinhados à Guarda Revolucionária Islâmica do Iraque. Por sua vez, Moscou quer manter seu acesso às bases militares no país e evitar um fracasso humilhante na política externa; portanto, apesar de estar sobrecarregada na Ucrânia, continuará a apoiar as forças de Assad com mais ataques aéreos e novos equipamentos militares.
De fato, nenhum ator regional importante —incluindo aqueles que se beneficiam de um Assad mais fraco— quer ver o homem forte sírio violentamente deposto neste momento. Israel, por exemplo, está feliz em ver outro aliado iraniano ser atingido e as linhas de suprimento do Hezbollah na Síria serem interrompidas. No entanto, teme um vácuo de poder ao longo de suas fronteiras que ameaçaria sua própria segurança.
Um avanço rebelde controlado que force Teerã a desviar sua atenção e seus recursos para a Síria, mas que não chegue a derrubar Assad e a ameaçar a segurança nacional israelense, parece ser o resultado ideal. A continuação dos combates na Síria também ajudaria a preservar o frágil cessar-fogo no Líbano, já que nem o Irã nem o Hezbollah vão querer reabrir essa frente enquanto seu aliado estiver nas cordas.
Até mesmo a Turquia, que sempre apoiou o HTS e outras milícias contrárias a Assad, não está interessada em um colapso do regime. Embora Ancara possa ganhar influência regional com os atuais combates e com o vazio deixado pela diminuição da presença do Irã no Levante, a queda de Assad desestabilizaria sua vizinhança, provocaria outra crise de refugiados e arriscaria um confronto militar direto entre a Turquia e a Rússia.
Para o presidente Recep Tayyip Erdogan, o meio-termo é uma ofensiva controlada que lhe dê a vantagem de ditar os termos da normalização entre Ancara e Damasco, bem como qualquer acordo definitivo na Síria.
Assad desafiou as probabilidades quando o ex-presidente dos EUA Barack Obama disse que ele “deveria sair” há nove anos, e é provável que o faça novamente agora. Mas a renovação dos combates na Síria deve servir como um forte lembrete de que, em um momento em que o vácuo de liderança mundial —o que chamo de “recessão geopolítica”— está apenas crescendo, os eventos em lugares frequentemente esquecidos, como Ucrânia e Gaza, podem ecoar muito além de suas fronteiras e no futuro.
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