Lar Turismo Sarajevo se equilibra entre passado e orgulho olímpico – 18/12/2024 – Turismo
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Sarajevo se equilibra entre passado e orgulho olímpico – 18/12/2024 – Turismo


Um lobo chamado Vučko aparece por todos os cantos de Sarajevo, a capital e maior cidade da Bósnia e Herzegovina, na região europeia dos Bálcãs. É um desenho simpático que parece querer aliviar a imagem de uma cidade de passado sombrio.

O lobinho de cachecol laranja está nas lembrancinhas de viagem, como canecas e chaveiros, e também em propagandas em outdoors e grafites pelas ruas. Os muros desenhados estão muitas vezes alvejados de balas, resquícios sempre presentes dos anos turbulentos.

Vučko é como uma mascote não oficial da cidade de 350 mil habitantes, embora tenha sido criado para os Jogos Olímpicos de Inverno. Quem chega de paraquedas e descobre sua origem pode imaginar que o evento se aproxima ou acabou de acabar. Mas, como muita coisa em Sarajevo, é algo do século passado.

Os jogos aconteceram em 1984, quando a região ainda fazia parte da Iugoslávia socialista com outras cinco repúblicas. O evento trouxe infraestrutura e oportunidade, e a cidade pôde exibir ao mundo sua cultura e suas tradições, boa parte graças à diversidade religiosa de sua população, formada por bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos. A mistura valeu à cidade o apelido de “Jerusalém da Europa”.

Os jogos são até hoje um dos maiores orgulhos de Sarajevo e ganharam até um museu, instalado numa mansão construída em 1903. Vučko está bem representado. Há também exibição da tocha olímpica, pôsteres feitos por artistas como David Hockney e roupas de atletas e da cerimônia de abertura.

É uma pausa boa para quem veio interessado nas histórias mais famosas e sangrentas da cidade. Oito anos depois da festa olímpica, Sarajevo foi sitiada e devastada por quatro anos —a mansão do museu foi bombardeada e só reabriu após reforma em 2020, enquanto outros locais dos jogos seguem abandonados, como a pista de bobsled no monte Trebević e a arena de patinação.

Sarajevo foi também palco de outro episódio histórico brutal, mais de cem anos atrás, com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, um dos estopins da Primeira Guerra Mundial. A esquina do crime é hoje uma das mais visitadas da Europa.

Mais de meia dúzia de museus são dedicados a essas tragédias, principalmente à Guerra da Bósnia e ao cerco de Sarajevo (1992–1996), confrontos marcados pela limpeza étnica de muçulmanos, estupros e mais de 100 mil mortos.

Nos quatro anos do cerco, a população viveu sitiada por forças sérvias após a Bósnia declarar sua independência da Iugoslávia. Instalados nas colinas que cercam a cidade, snipers atiravam em civis, atacados também por granadas, tanques e mísseis lançados por aeronaves.

Histórias da rotina de quem tentava sobreviver na cidade estão em espaços como o Museu do Cerco de Sarajevo e o Museu dos Crimes Contra a Humanidade e Genocídio. Ambos trazem explicações detalhadas dos conflitos, com mapas e maquetes, fotografias e vídeos, e um tanto de outras curiosidades, como a carta e a camiseta que Arnold Schwarzenegger mandou para a família de um fisiculturista bósnio assassinado.

No Museu da Infância de Guerra, objetos de sobreviventes que eram crianças durante o cerco ajudam a contar relatos difíceis de ouvir. Entre os brinquedos está uma bola de futebol feita de meias, disputada como ouro pelos meninos do bairro.

O museu mais visitado fica perto do aeroporto, onde um túnel de mais de 300 metros foi escavado em 1993 para trazer ajuda humanitária e bélica à população sitiada. O visitante pode atravessar um pequeno pedaço do túnel original, instalado na casa de uma família que até hoje vive na região.

O museu não aceita cartão de crédito, apenas dinheiro, assim como muitos estabelecimentos da capital. Por aqui tampouco existem aplicativos de táxi, e muita gente ainda fuma dentro de restaurantes e cafés, dando uma sensação de que a cidade custa a abraçar o século 21.

Para entender a geografia de Sarajevo, encravada num vale estreito tomado de neblina pelas manhãs, vale visitar um forte abandonado chamado Žuta Tabija (forte amarelo). A vista panorâmica é muito popular na hora do pôr do sol. São 15 minutos de subida a pé saindo do centrinho turístico de Sarajevo, passando por um cemitério muçulmano –a maioria das lápides brancas tem data de morte de 1992 a 1995.

Além dos museus e das marcas de balas nos prédios antigos, o turista mais atento se depara com muitas outras lembranças da guerra, como as manchas vermelhas pintadas nas calçadas para marcar locais onde civis foram assassinados.

Num parque com grandes anéis olímpicos à sua entrada, uma fonte homenageia as 1.600 crianças mortas nos anos de cerco, perto de uma escultura de um homem gritando por seu filho, Nermin, ambos vítimas do massacre de Srebrenica —cidade a 150 km de Sarajevo onde mais de 8.000 muçulmanos foram assassinados em menos de um mês, o primeiro caso reconhecido de genocídio desde a Segunda Guerra Mundial.

Para dar outra pausa na barbárie, o centrinho turístico fica no mercado antigo de Baščaršija, uma região vibrante com lojinhas e restaurantes. Suas ruas são estreitas de paralelepípedos, pontuadas por mesquitas. Aqui é o lugar para experimentar o café bósnio (intenso e curto como o turco) e o chá talep (feito de raízes de orquídea), e comer muito ćevapi (sanduíche de pão árabe com linguiça) e burek (um salgado de massa folhada).

A forte influência turca vem dos mais de 400 anos em que a Bósnia pertenceu ao império otomano, até ser anexada pela Áustria-Hungria em 1878. O novo período trouxe modernização ao país, assim como aspectos da cultura europeia. As influências causaram resistência, especialmente entre os nacionalistas sérvios, arquitetos do assassinato de Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, em 1914.

Ele e sua mulher Sofia seguiam em carro aberto em visita oficial à cidade, quando ambos foram mortos a tiros por Gavrilo Princip. A rua fica a poucas quadras do mercado Baščaršija.

No local onde o veículo foi atingido, há quatro placas no chão para demarcar as rodas. E no local onde o assassino disparou, há duas marcas de sapatos. Multidões de turistas passam pela esquina diariamente, e muitos comparam suas pisadas com as de Princip.

Um minúsculo museu traz um vídeo com uma reconstituição de gosto duvidoso, manequins vestidos de arquiduque e duquesa, além das calças e bolsa listrada que Princip usava na hora do crime, junto com uma réplica da arma.

O assassino, que morreu de tuberculose na prisão poucos anos depois, está enterrado num cemitério sérvio a apenas 2 km de distância, numa capela com flores frescas ao lado de outros conspiradores. Para muitos sérvios, Princip virou mártir.



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