Antes fossem casos isolados as cenas recentes de violência injustificável da Polícia Militar de São Paulo, como tergiversa o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Mas não: o próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que o escolheu, teve de considerar absurdo o ocorrido sob seu comando.
Melhor dizendo, falta de comando. Derrite —um ex-integrante da Rota, tropa da PM historicamente conhecida pela letalidade— estimula a convicção de impunidade entre os subordinados ao enfraquecer o uso de câmeras nas fardas dos agentes, privilegiar oficiais daquela unidade violenta e suspender o afastamento das ruas de profissionais envolvidos em mortes.
O atual governo paulista põe assim em retrocesso décadas de iniciativas para conter a letalidade policial. A sucessão de mortes arbitrárias por PMs fora de controle, no espaço de um mês, apenas coroa a escalada de violência iniciada com a nomeação de Derrite —deputado eleito pelo PL que faz da apologia à linha-dura o esteio de sua carreira política.
Em 3 de novembro, Gabriel da Silva Soares, 26, foi morto pelas costas. Dois dias depois, foi abatido Ryan da Silva Andrade Santos, 4. No dia 20, morreu o estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, com um tiro no ventre. Nesta semana veio a cena hedionda do rapaz jogado da ponte.
“Um erro emocional”, assim qualificou a tentativa de homicídio o comandante da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas. De pouco vale anunciar apuração rigorosa quando se emite mensagem amenizadora como essa; a tropa entenderá que não foi tão grave.
Por essa via jamais se lancetará o tumor à vista de todos: a PM exibe atitudes de desprezo pela vida e inacreditável falta de preparo. Para corrigir a deformação ética e técnica da corporação urge desarticular, no poder público e na sociedade, a noção falaciosa de que se combate o crime dando carta branca para soldados alvejarem, espancarem ou torturarem quem bem entenderem.
O exemplo precisa vir de cima. Se Tarcísio ora repudia a violência pontual, cumpre recordar que não deu as devidas mostras de preocupação ante denúncias de violações de direitos humanos na Operação Verão (56 mortes de civis), neste ano, precedida no semestre anterior pela Operação Escudo (36 mortes).
A lógica truculenta fica evidente na tentativa de Derrite de justificar-se com estatísticas como a redução de 2,9% em homicídios dolosos, para 2.065 de janeiro a outubro (tendência de queda que precede sua gestão). Argumento deplorável, quando se sabe que as mortes por policiais em serviço ou não subiram 55% no ano até setembro, para 580 casos.
Há que pôr cobro à mortandade. Obrigar PMs a manter ligadas câmeras nas fardas é o mínimo. Contudo, sem maior empenho da Corregedoria, do Ministério Público e da Justiça em apurar e punir excessos, a marcha da selvageria seguirá desimpedida.
Deixe um comentário