A morte de um general de alto escalão em um ataque com explosivos em uma rua de Moscou foi o primeiro caso registrado ligado à Ucrânia contra uma figura militar russa fora do front de guerra.
O episódio, que resultou na morte de duas pessoas ligadas ao regime de Vladimir Putin – o general Igor Kirillov e seu assistente – levantou questionamentos se Kiev está mudando sua tática de combate, visto que o atentado foi um choque para o establishment militar e político russo.
Fontes disseram à agência de notícias ucraniana Ukrinform, ao jornal americano The New York Times e à emissora britânica BBC que o serviço de inteligência ucraniano estaria por trás do ataque, apesar do governo de Volodymyr Zelensky não ter confirmado oficialmente até o momento essa versão.
A explosão de um patinete elétrico estacionado em frente a um prédio residencial lembrou o caso dos pagers explosivos implantados dentro do Líbano e na Síria para atingir membros do grupo terrorista Hezbollah, em setembro.
Na ocasião, tanto Beirute quanto o grupo xiita libanês responsabilizaram Israel pelo ataque. Informações vazadas à imprensa hebraica em novembro teriam confirmado que Tel Aviv seria responsável pelo ataque em massa contra o Hezbollah.
Segundo o jornal Times of Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu teria admitido pela primeira vez durante uma reunião de gabinete a autoria do ataque.
“A operação de pager e a eliminação de [o líder do Hezbollah, Hassan] Nasrallah foram realizadas apesar da oposição de altos funcionários do establishment da defesa e dos responsáveis por eles no escalão político”, teria dito Netanyahu, em uma clara crítica ao ministro da defesa demitido recentemente, Yoav Gallant.
Para o ataque direcionado na Rússia, a Ucrânia utilizou uma tática semelhante à de Israel, implantando explosivos em um patinete elétrico para atingir o membro de alto escalão militar na capital russa.
Autoridades de segurança ucranianas disseram ao Wall Street Journal (WSJ) que o SBU, a agência de inteligência de Kiev, está se inspirando no Mossad (agência de inteligência israelense), conhecido por sua perseguição implacável a inimigos do país no exterior.
“Kiev enviou uma mensagem de que mesmo os oficiais de mais alto escalão responsáveis pelo esforço de guerra e crimes da Rússia não podem se sentir seguros, nem mesmo em Moscou”, disse o consultor para a Europa Central e Oriental na empresa de consultoria Teneo, Andrius Tursa.
Essa nova escalada por parte de Kiev, que parece ter como objetivo principal eliminar autoridades militares russas e figuras públicas pró-Kremlin dentro do território inimigo, coloca em xeque a eficácia da segurança russa e dá uma ideia ampliada de que a inteligência ucraniana possui novas estratégias para o conflito.
Uma fonte anônima envolvida com o recrutamento de assassinos de aluguel pela Ucrânia disse ao Wall Street Journal que o país consegue contato com os autores dos ataques pelo aplicativo de mensagens Telegram ou pela dark web.
“Muitas vezes, os executores não sabem exatamente o que estão fazendo”, acrescentou a fonte, dizendo que várias pessoas podem estar envolvidas em um mesmo ataque, com tarefas diferentes.
Ao contrário de Kiev, Moscou ainda não conseguiu expandir sua estratégia para atingir figuras militares de alto escalão como o deste terça-feira em território ucraniano desde a invasão.
Na análise do WSJ, esse episódio recente sugere que a Ucrânia pode possuir uma capacidade operacional mais aprimorada do que a da inteligência russa.
Ucrânia está ligada a uma série de ataques contra militares russos
Apesar do ataque direcionado ao general Igor Kirillov ter sido o primeiro contra uma autoridade militar russa dentro do território inimigo que se tem registro, a Ucrânia já vinha realizando operações contra figuras de médio a alto escalão da Rússia em áreas de combate.
Em 13 de novembro, Kiev reivindicou um ataque com um carro-bomba que matou o oficial sênior da marinha russa Valery Trankovsky, na Crimeia, região pertencente à Ucrânia que foi ocupada pelo regime de Putin em 2014. Uma fonte dos serviços de segurança da Ucrânia disse à agência de notícias Associated Press (AP) que o país esteve por trás da ação.
Mais recentemente, dias antes, um ex-chefe de uma prisão em Donetsk, outra região da Ucrânia ocupada pela Rússia, foi morto após seu carro explodir.
O regime de Putin culpou Kiev pelo ataque à prisão, mas a Ucrânia respondeu dizendo que se tratava de destruição de evidências de tortura e outros crimes de guerra cometidos no local contra prisioneiros de guerra.
Também em dezembro, a inteligência ucraniana foi apontada como autora do assassinato do cientista russo Mikhail Shatsky perto de Moscou. Ele teria participado do programa de desenvolvimento de mísseis da Rússia e do desenvolvimento de softwares de inteligência artificial para drones.
Outros casos foram registrados neste ano, mas nem todos foram reivindicados pela Ucrânia. Em outubro, Kiev assumiu a responsabilidade por um ataque com carro-bomba que matou um funcionário da usina nuclear de Zaporizhzhia, também ocupada pela Rússia.
Além do impacto da morte de uma general de alto escalão, o regime de Putin enfrenta a guerra cada vez mais perto de casa. Desta vez, na capital russa, Moscou.
A possível escalada da Ucrânia ocorre em um momento crucial, um mês antes do retorno de Donald Trump à Casa Branca, com promessas de “encerrar” o conflito no leste europeu, mas sem dar pistas de como isso sairia do papel.
O tenente-genral Igor Kirillov era encarregado da defesa radiológica, química e biológica da Rússia desde 2017 e fazia aparições na imprensa regularmente nas quais se referia, entre outras coisas, aos “laboratórios biológicos americanos” na Ucrânia.
Segundo o jornal The New York Times, o tenente-general Kirillov foi um dos principais responsáveis pela campanha de propaganda militar da Rússia contra a Ucrânia e o Ocidente desde o início da guerra.
Ele frequentemente concedia entrevistas à imprensa russa com alegações infundadas, segundo o jornal. Em 2023, por exemplo, o militar do Exército russo afirmou que os EUA estavam planejando usar drones “projetados para espalhar mosquitos infectados” dentro do país.
No início desta semana, o general foi acusado pelo uso de armas químicas proibidas na guerra da Rússia contra a Ucrânia por um tribunal de Kiev. Conforme o Serviço de Segurança da Ucrânia, mais de 4.800 casos de uso russo de munições químicas foram registrados sob as ordens de Kirillov desde o início da guerra.
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