Uma das mais tradicionais vinícolas da Serra Gaúcha, a Casa Valduga é a primeira brasileira a entrar para a lista da World’s Best Vineyards das 100 melhores vinícolas para visitar no mundo. Na segunda-feira (28), a organização divulgou a lista do 51⁰ ao 100⁰ classificado. A produtora de vinho Valduga ocupou o 58⁰ lugar.
Criado em 2019, o World’s Best Vineyard’s Awards premia as vinícolas que oferecem as melhores experiências para o enoturista. O prêmio é organizado pelo mesmo grupo inglês que criou o International Wine Challenge (vendido recentemente) e o The World 50 Best Restaurants, um concurso internacional de vinhos e um ranking dos melhores restaurantes do mundo, ambos de enorme prestígio. A lista das 50 vinícolas colocadas nos primeiras posições sai no dia 4 de novembro e deve ser anunciada durante o evento de entrega do prêmio, que este ano acontece na vinícola inglesa Nyetimber, em Sussex.
À diferença de boa parte dos concursos de vinho, este não depende nem de inscrição nem muito menos do pagamento de qualquer taxa. Teoricamente, todas as vinícolas do mundo que oferecem enoturismo estão concorrendo.
A escolha é feita por uma academia de mais de 500 especialistas, entre eles sommeliers, jornalistas especializados em vinhos e turismo, experts no setor de viagens. Esses jurados estão divididos em 22 células regionais. Cada uma delas tem um líder que é responsável por indicar os outros jurados. Só o nome do líder é público. O nome dos outros jurados permanece anônimo. A líder para a América Latina é a sommelière e jornalista brasileira Daniella Romano. Há também uma líder Argentina.
Cada jurado faz uma lista de sete vinícolas, em ordem de preferência. A vinícola pode ser em qualquer lugar do mundo. A única exigência é que ela seja aberta ao público. A escolha leva em conta a paisagem, a arquitetura, os serviços, as atrações e a degustação, ou seja, o vinho. No entanto, aqui ele é só mais um item. O prêmio é para o enoturismo, não para o vinho.
A Casa Valduga foi uma das primeiras a receber visitas turísticas no Vale dos Vinhedos. Além de oferecer uma série de experiências guiadas, tem restaurantes e pousada. Tudo pode ser reservado na plataforma Wine Locals.
Estive lá a primeira vez em 2011, quando eles já tinham uma ótima estrutura, mas o enólogo João Valduga, a quem entrevistei para um livro que estou fazendo sobre as famílias de produtores de vinho da Serra Gaúcha, me contou que nos anos 1980 as visitas começaram de uma forma espontânea.
A família de João tinha uma pequena vinícola no porão da casa onde moravam. Os turistas que passavam por ali batiam na porta e pediam para provar os vinhos. E acabavam por comprar algumas garrafas. Então, a família começou a oferecer algo para as pessoas comerem, um salame, um queijo. Logo passou a servir refeições nos fins de semana. A mãe preparava a massa, a polenta e o frango na cozinha da casa da família mesmo. João e os irmãos serviam. O pai continuava trabalhando na roça, mas às vezes também fazia um churrasco.
É surpreendente que só agora o Brasil entre nessa lista e com apenas uma vinícola. (Por enquanto… Pode ser que apareça mais alguma na lista dos primeiros 50 colocados). O enoturismo na Serra Gaúcha é super bacana. É genuíno. Tem história. As famílias produzem uvas e vinhos desde o século 19.
São praticamente todos imigrantes italianos. Colonos. Em 2022, durante a Wine South America, em Bento Gonçalves, fiz uma reportagem deliciosa, mas que acabou não sendo publicada por motivos que não vale a pena comentar. Fui visitar a Casa Valduga com o Master of Wine italiano Gabriele Gorelli, que havia sido convidado pelo Italian Trade Agency (ITA) para dar masterclasses na feira. O objetivo da minha reportagem era que ele visse de perto o quanto a cultura italiana ainda está presente na região.
Como Gabriele tinha pouco tempo disponível, poderíamos fazer uma única visita. Pensei na Casa Valduga porque há pouco tempo eu tinha entrevistado João e constatado o quanto ele é absolutamente italiano, apesar de já ser filho de brasileiros. Um dos donos de tudo aquilo, um homem estudado, é uma pessoa super simples, que ainda gosta de jogar baralho com os outros colonos e que fala com seus amigos em talian, uma língua que os descendentes dos vênetos falavam e ainda falam (embora esteja desaparecendo) no Brasil.
Como iríamos a apenas um local, pedi que João chamasse uns amigos para o encontro. João, que tinha 60 e alguma coisa, teve a sensibilidade de chamar amigos mais velhos do que ele. Dois produtores de uva. E a turma ficou conversando em um misto de talian, italiano e português. Gabriele, que revelou-se um sujeito super sensível, participava da conversa com um sorriso de lado a lado e, de vez em quando, como na hora em que os amigos disseram que João não gostava de gastar um fiorino, soltava uma risada.
“Sabe o que é fiorino?”, me perguntou em inglês.”É a moeda de ouro que se usava em Florença, na minha região, na idade média. Na Itália, ninguém mais fala em fiorino, mas antigamente era sinônimo de dinheiro”. Ouviu os amigos cantarem Mérica Mérica com os olhos mareados. Provou alguns dos melhores vinhos e espumantes da Valduga e se surpreendeu com a qualidade. Saiu dali encantado com o Brasil.
Dentro da feira, ainda levei Gabriele provar vinhos de outros produtores. Gostou muito dos espumantes da Cave Geisse e ficou impressionado com a qualidade do Testardi, um syrah produzido pela Miolo na Bahia. Tanto que combinou com Adriano Miolo que esse lhe enviasse alguns para uma aula sobre vinhos da casta syrah que daria a uma confraria em Montalcino, sua cidade natal.
Contei essa história para mostrar como a Serra Gaúcha é apaixonante. Certamente no futuro veremos várias outras vinícolas brasileiras nessa lista.
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