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Vale do Silício e extremista revivem racismo científico – 02/12/2024 – Ciência


Investigação britânica que durou mais de um ano revelou a existência de uma rede internacional de divulgação de racismo científico. Teorias descartadas e condenadas, como eugenia e diferenças biológicas entre raças, vocabulário de cientistas desinformados do século 19 e de nazistas do século 20, ganham impulso atualizado nas redes sociais.

Como em outros momentos da história, a notícia falsa com ares de ciência tem intuitos políticos, agora com a participação de influenciadores e grupos de extrema direita. Justificar ações contra a imigração na Europa, por exemplo, é uma das intenções que transparecem em gravações ocultas feitas pela ONG Hope not hate, que revelou o esquema em conjunto com os jornais The Guardian, o austríaco Der Standard e a revista alemã Der Spiegel no mês passado.

Criada há dois anos, a Human Diversity Foundation (HDF) reúne e propaga conteúdo racista transformado em estudos, considerações de especialistas e opiniões de toda sorte. Emil Kirkegaard, seu proprietário, tem no currículo cerca de 40 artigos publicados em uma revista científica chamada Mankind Quarterly.

O veículo é especializado em “ciência racial” e sobrevive desde os anos 1960 na Inglaterra com conteúdo apelativo, como os de Kirkegaard: disgenia, o contrário de eugenia, mas igualmente sem comprovação, o quanto progressistas seriam mentalmente doentes, o quanto aplicativos de encontro comprometeriam as raças.

O tema app de encontros chama a atenção, pois é o negócio que fez a fortuna de Andrew Conru, um estudante de Stanford que, em 2007, ficou milionário ao vender o site Adult FriendFinder para a Penthouse. A investigação mostrou que ele doou US$ 1,3 milhão à HDF em troca de 15% de suas ações. Ao ser questionado pelo Guardian sobre as relações da HDF com extremistas e falsos cientistas, o empresário declarou que retiraria seu apoio ao grupo.

“Percebemos essas ideias sendo compartilhadas cada vez mais online de maneira sutil e ambígua. Pior, estávamos vendo uma espécie de aceitação crescente. As pessoas, especialmente no Twitter, começaram a discutir bastante biologia, de diferentes modos”, afirma Patrick Hermansson, investigador da Hope not hate, à Folha. “A extrema direita também percebeu isso e de certa forma explorou essa aceitação crescente.”

A constatação fez o grupo, que combate discriminação racial, a iniciar a investigação. Infiltraram um participante, camuflado de herdeiro rico e com opiniões conservadoras, em fóruns de debates e eventos promovidos pela HDF. Comprovaram não só a promoção das teses discriminatórias como também a proximidade dos pseudocientistas com um extremista famoso da Alemanha: Erik Ahrens, influenciador do TikTok, que se apresentava nos encontros gravados como “consultor da AfD”.

AfD, Alternativa para Alemanha, é o partido de extrema direita que cresce vertiginosamente no país e pode se tornar a segunda legenda mais votada nas próximas eleições para o Parlamento em Berlim. Ahrens, responsável por catapultar a popularidade da sigla nas redes sociais, foi afastado depois de ter sido flagrado por outra reportagem investigativa. No início do ano, o site alemão Correctiv mostrou Ahrens, políticos, empresários e personalidades alemãs discutindo um ambicioso e ilegal plano de remigração.

Nas gravações da Hope not hate, o influenciador aparece falando sobre a necessidade de criar um grupo de elite, “tipo SS”. Seu interlocutor é Andrew Foster, um professor de escola secundária que virou celebridade no Substack e mais tarde editor de conteúdo do HDF. Seu primeiro texto na plataforma tinha como título “Nazistas inteligentes”.

Em um determinado momento, o diálogo é sobre o que a Alemanha deveria fazer com os imigrantes quando a AfD chegar ao poder: “Imagine um novo estado Alemão… Pega dois navios de combate e leva para a costa do Marrocos. Somos mais inteligentes, maiores, e vocês vão fazer isso”.

Se menções ao nazismo chocam, assertivas baseadas em uma visão distorcida da biologia e da genética surgem com cada vez mais naturalidade no discurso político. Donald Trump, reeleito recentemente para a Casa Branca, ao explicar sua promessa de deportar milhões de imigrantes, afirmou que os EUA estavam “cheio de genes ruins” neste momento.

De acordo com especialistas, racismo científico é um padrão histórico de ideologias que geram crenças pseudocientíficas e, por óbvio, racistas. Suas origens remontam ao século 19, quando cientistas e instituições de renome propuseram algumas dessas teorias. Todas já foram descartadas, mas persistem na sociedade como suposta justificativa para discursos políticos e discriminação.

Coisa antiga e, como quase tudo no mundo atual, anabolizada pelos algoritmos das redes sociais. “Acho que é bastante claro que precisamos de algum nível de supervisão ou regulação”, diz Hermansson. “Isso não significa necessariamente limitar a liberdade de expressão, mas o que acontece quando você não modera as plataformas, como estamos vendo com o Twitter-X agora, é que atores de extrema direita tomam conta e silenciam agressivamente as outras pessoas.”

Após a publicação da denúncia, em carta ao Guardian, o presidente da Sociedade Europeia de Genética Humana, Bill Newman, e sua equivalente britânica, Demetra Georgiou, afirmaram que a ciência atual “atesta, inequivocamente, que raça é uma construção social, histórica e política fluída sem base biológica ou genética”.

“Há evidências convincentes de que existe mais variação genética dentro dos grupos raciais autoidentificados do que entre eles.”



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