Se a guerra civil na Síria só tomou proporções catastróficas, com cerca de meio milhão de mortos, devido à ação de agentes externos, a queda do regime que a defendeu com altos custos para a sua população também se deve a eles —ou melhor, à dificuldade dessas nações de auxiliar o ditador Bashar al-Assadem meio ao atual panorama global.
A lista de envolvidos no conflito sírio inclui a Rússia e o Irã (e seus prepostos, o grupo islâmico libanês Hezbollah e milícias iraquianas) do lado do regime agora destroçado, e Turquia e Estados Unidos do lado dos rebeldes.
Os primeiros foram profundamente afetados pelos conflitos que dominam a geopolítica atual. Enquanto Moscou se concentra na Guerra da Ucrânia desde que lançou uma incursão por terra contra o vizinho, em 2022, o Irã se ocupa com os ataques lançados por seu arqui-inimigo regional, Israel, contra seus aliados em Gaza e no Líbano desde 2023.
Veja, a seguir, o que o fim do regime sírio representa para cada um dos principais agentes do conflito.
EUA
O papel dos EUA na trajetória síria recente mudou algumas vezes. O país apoiou, durante a administração Obama, os rebeldes no início da ofensiva contra o regime de Assad com armas e treinamento. Anos depois, ajudou a combater o Estado Islâmico, mas retirou muitas de suas tropas do território sírio em 2019, no primeiro mandato de Donald Trump.
Agora, de acordo com vice-secretário assistente de Defesa para o Oriente Médio, Daniel Shapiro, os Estados Unidos continuarão a manter sua presença no leste da Síria “e tomarão as medidas necessárias para evitar o ressurgimento do Estado Islâmico”. Segundo o jornal The New York Times, os Estados Unidos ainda mantêm uma força de cerca de 900 soldados, centrada em áreas de perfuração de petróleo controladas pelos curdos no nordeste e uma guarnição no sudeste, perto das fronteiras da Síria com o Iraque e a Jordânia.
Em discurso, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que “finalmente o regime de [Bashar al-]Assad caiu”. O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, também se manifestou: “Assad se foi. Ele fugiu do seu país. Seu protetor, a Rússia, Rússia, Rússia, liderada por Vladimir Putin, não estava mais interessada em protegê-lo”, afirmou em uma postagem na rede social Truth Social.
RÚSSIA
Sob liderança de Vladimir Putin, o país foi um dos grandes responsáveis pela sobrevivência, até o momento, do regime de Assad à guerra civil —o que garantiu, de seu lado, um ponto de projeção no flanco leste da Otan, a aliança militar ocidental, no Mediterrâneo. A proximidade entre Moscou e Damasco é tamanha que coube à Rússia confirmar a renúncia e fuga do ex-ditador, depois de rebeldes tomarem a capital. Além disso, Assad recebeu asilo das autoridades russas e está em Moscou.
De acordo com informações do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, bases militares na Síria foram colocadas em estado de alerta máximo, mas não havia nenhuma ameaça grave no momento. Moscou diz estar em contato com diferentes grupos de rebeldes sírios.
Os russos têm, em território síro, 21 bases e 81 postos avançados, incluindo um centro de projeção de poder aéreo e o porto de Tartus. Desidratada pela guerra com a Ucrânia, que se estende por mais de dois anos, a Rússia perdeu tração e vem concentrando sua atuação nessa frente.
IRÃ
Ao lado da Rússia, o outro grande apoiador que permitiu a manutenção de Assad no poder é também o maior derrotado na crise, perdendo o seu elo de ligação terrestre com os prepostos que mantinha em torno de Israel. O vínculo de Teerã com Damasco permitiu espalhar a sua influência por meio de um corredor terrestre que passava pelo Iraque e ia até ao Líbano, levando abastecimentos militares ao Hezbollah.
O Irã gastou bilhões de dólares com o regime de Assad desde que a guerra civil eclodiu em 2011 na Síria, além de ter enviado membros de sua Guarda Revolucionária para reforçar o apoio. Após a queda do ditador do poder, o Ministério das Relações Exteriores do Irã pediu um diálogo nacional para formar um governo inclusivo que representasse todos os segmentos da sociedade síria.
O órgão também afirmou que o destino da Síria é de responsabilidade de seu povo sírio e não deve ser influenciado por intervenção estrangeira. A teocracia, que enfrenta pressões internas e externas, com trocas de bombardeios com Israel, tem como incerto o futuro de suas 52 bases em território sírio. Segundo informou a televisão estatal de Teerã, diplomatas iranianos teriam deixado a embaixada em Damasco antes de esta ser atacada por “indivíduos desconhecidos” neste domingo.
ISRAEL
A derrubada do governo de Assad representa uma vitória, mas também pode ser motivo de preocupação para o país. Se por um lado o ditador sírio era o elo que ligava os inimigos Hezbollah e Hamas ao Irã, por outro, autoridades israelenses expressaram preocupação de que armas químicas e outras munições e mísseis do arsenal sírio possam agora ter futuro incerto nas mãos dos rebeldes que chegaram ao poder.
No início do domingo, Israel bombardeou ao menos três vezes Damasco, incluindo um complexo de segurança e um centro de pesquisa do governo, segundo informações que a agência de notícias Reuters conseguiu de forma anônima.
A fala do premiê israelense Binyamin Netanyahu reflete o cenário. Bibi descreveu a derrubada de Assad como um “dia histórico” que se seguiu à investida de Israel contra os apoiadores de Assad, o Irã e o grupo islâmico Hezbollah, no Líbano. Mas, em visita à região próxima à fronteira com a Síria, Netanyahu afirmou ter ordenado que as forças israelenses tomassem áreas na zona-tampão para garantir a segurança de Israel.
TURQUIA
Pode ser considerada a grande vitoriosa no processo que culminou com a derrocada de Assad. Controla uma região ao norte da Síria e realizou uma série de ataques ao território do país, em especial contra os curdos baseados ali. A etnia, na Turquia, trava há anos uma disputa com o governo em Ancara. A Turquia também apoiou outras facções como o Exército Nacional Sírio, uma coligação de grupos armados de oposição síria. Segundo informação do jornal The New York Times, isso pode ter contribuído para a realização da ofensiva liderada por Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo anteriormente afiliado à Al Qaeda.
O chanceler turco, Hakan Fidan, afirmou que a queda do regime de Assad não foi repentina, mas sim o resultado da guerra civil. “É claro que isto não aconteceu numa noite. Nos últimos 13 anos, o país tem estado um caos”, disse Fidan. De agora em diante, a questão que coloca Ancara à prova é como serão os próximos passos do HTS, organização que já foi considerada terrorista, ao orquestrar a complexa rede de oposição e minorias sírias.
UE
Na Europa, líderes como o presidente francês Emmanuel Macron celebraram os acontecimentos. Além de ter lembrado a opressão do regime de Assad, Olaf Scholz, premiê alemão, também expressou preocupação com a restauração da lei e ordem na Síria, lembrando que todas as minorias e comunidades religiosas deveriam ser protegidas. Agora, o desafio será a relação do bloco com a liderança rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo anteriormente afiliado à Al Qaeda.
PAÍSES ÁRABES
O fortalecimento regional de Israel, que, após ser invadido em 7 de Outubro, atacou duramente os inimigos Hamas, na Faixa de Gaza, e Hezbollah, no Líbano, é uma das grandes preocupações de países árabes. Além disso, o ganho de influência da Turquia, que já domina uma porção do território sírio, ao norte, também é outro foco de atenção.
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