Que brasileiro é criativo todo mundo sabe. Em geral, somos mestres em jogo de cintura. Afinal, para a maior parcela da população, sempre foi preciso “rebolar para sobreviver”. Ainda assim, nenhuma pessoa de bom senso estava preparada para recepcionar, sem espanto, a invenção do “fato isolado recorrente”.
A novidade, tão inusitada quanto fantasiosa, é fruto da criatividade de políticos e autoridades governamentais que têm coragem e cara de pau de dizer que os reiterados episódios de violência policial registrados no país constituem “fato isolado”.
Por definição, “fato isolado” pressupõe ausência de precedentes. Mas ninguém necessita de boa memória para lembrar de vários casos envolvendo abuso de poder e violência excessiva por parte de agentes da lei, tendo como vítimas cidadãos desarmados e rendidos.
É um tal de policial atirando pelas costas de homem desarmado, jogando cidadão de cima da ponte, agredindo mãe e filho dentro da própria casa, provocando acidente enquanto faz racha usando a viatura da PM, escoltando integrante de organização criminosa.
Apesar da profusão de casos registrados em vídeo (por câmeras de segurança, telefones celulares e até mesmo uniformes dos agentes), tem político que sustenta a versão falaciosa e equivocada de que se tratam de “fatos isolados”. Dadas as evidências cotidianas, não é preciso bola de cristal para prever que o cenário não vai mudar sem que os agentes públicos admitam que há um problema sério a resolver.
Citando São Paulo como exemplo, as estatísticas da violência policial são estarrecedoras. O volume de mortes cometidas por PMs do Estado cresceu 46% até meados de novembro de 2024 na comparação com igual período de 2023. Analisando desde o início da atual administração, o percentual sobe para 98%. Os dados são do Ministério Público de SP.
Não é demais lembrar: a maioria das vítimas é negra.
Contradizendo o governador paulista, basta olhar os números para ver que algo não está funcionando. Isolados são os casos de punição de agentes que se excedem.
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